"A vida é uma aventura maravilhosa (...)" - Cinebiografia de Tove Jansson
Olá, querido leitor! <3
Seja muito bem-vinde, sou a Caroline Moreiras, tenho dezesseis anos e aqui neste blog falo sobre cultura, então pode pegar sua xícara, sentar-se confortavelmente e se preparar para tomar um chá cultural comigo! Hoje o assunto da conversa vai ser o filme finlandês “Tove” que esteve em cartaz na 45o. Mostra de Cinema de São Paulo e eu assisti com os meus queridos padrinhos (se quiser saber outros filmes que assisti nela clique aqui).
O longa-metragem biográfico com direção de Zaida Bergroth acerta em cheio na maneira de contar a história da artista. Tove Jansson é uma pintora, escritora e ilustradora real dos anos de 1900. Nascida no início da Primeira Guerra Mundial, ela vive os dois conflitos internacionais e falece em 2001, deixando seu legado para arte de expressão sueca, com sua criação mais famosa, os “Mumins”, uma família de trolls a qual cada personagem é inspirado em alguém de sua vida. Porém, essas informações podemos alcançar com uma rápida pesquisa no google, e é por isso que a maneira escolhida pela diretora de nos apresentar isso é tão certeira: conhecemos a história de sua arte através de seus relacionamentos.
A produção dos Moomins. Foto: Helsinki Filmi
Assim como falei sobre o Donna Summer Musical, considero incrível saber o que fez o artista criar alguma coisa que ele fez e em Tove, isso acontece de maneira esplêndida. Sempre que alguma obra é mostrada no filme, isso acontece depois do acontecimento que inspirou sua criação. Para mim, para além de apenas uma questão de preferência, considero essencial que isso aconteça para a análise de qualquer arte, para isso podemos tomar como exemplo Van Gogh: se não sabemos de seus sentimentos, suas obras podem ter um impacto, mas como aprendemos mais sobre sua história, conseguimos analisar e compreender sua expressão artística com muito mais clareza. Logo, contar a história da artista dessa maneira foi perfeito.
Além disso, a direção de imagem é espetacular, a câmera texturizada e a paleta de cores puxada para nuances entre o vermelho e o marrom fazem com que o público se sinta parte das festas da elite artística européia da época, fazendo do filme uma experiência sensorial. Já que, é um conjunto com a direção de áudio que transita entre músicas da época, som de brindes à arte e muitaaa dança. De verdade, enquanto via o filme estava louca para fazer uma viagem para Paris e ir para várias exposições hahaha.
Em relação a isso, percebemos que Tove faz parte dessa elite artística, apesar de passar 90% do filme em crise financeira, o seu grupo de amigos faz parte dela e frequenta locais característicos que essas pessoas frequentavam. Ademais, a protagonista também faz parte de um grupo com pensamentos que fogem da maioria da época.
Atos Wirtanen (Shanti Roney), o filósofo que ela se envolve durante o longa-metragem, se autodeclara comunista diversas vezes, sendo que a Segunda Guerra Mundial tinha passado há cerca de no máximo três anos quando se conheceram e diversas pessoas ainda tinham medo do comunismo na Europa. Além disso, a parte majoritária de seus amigos faz parte da Comunidade LGBTQIA+, inclusive a própria artista, interpretada por Alma Poisty. Seu principal par romântico é Vivica Bandler (Krista Kosonen), diretora de teatro que nunca foi capaz de corresponder completamente o amor de Tove, pois era apaixonada pela vida, festa e arte e não conseguia se prender a alguém.
Deste modo, percebemos toda uma angústia que cresce no pensamento da protagonista. Ela não tem dinheiro na maior parte do filme pois suas artes são criticadas, devido a isso, sofre uma grande pressão psicológica de seu pai Viktor, um dos principais escultores da Finlândia que vivia dizendo à ela que as ilustrações e até mesmo quadros que ela fazia não eram arte de verdade. Além disso também se descobre como mulher sáfica (a orientação sexual dela não fica explícita ao longo do filme, mas é evidente que ela gosta de mulheres/ver nota) em uma época na qual falar sobre isso era inimaginável e se descobre com uma pessoa que não é capaz de corresponder seu amor. Por fim, Tove também é apaixonada por diversos tipos de arte e não consegue decidir exatamente o que fazer. Portanto, fica claro como todas as dificuldades que ela enfrentou criaram uma sobrecarga mental e geraram uma angústia absurda na artista.
E essa angústia foi interpretada perfeitamente pela atuação excepcional de Alma Poisty, pois suas expressões faciais são capazes de dizer tudo o que a protagonista não sabia como colocar em palavras. Há momentos do filme marcados pelas crises existenciais da artista, que se iniciam com reflexões e momentos de tristeza e terminam com momentos de arte e criação. Conseguimos perceber toda essa intensidade correndo nas veias de Tove, a forma que ela se torna obcecada pela tinta enquanto pinta, ou pela caneta enquanto ilustra fica transparente na atuação, é sensacionalíssimo. Mais que isso, conseguimos compreender o que a artista na época não conseguiu entender e sentir o que ela sentia através de um simples olhar da atriz.
Tove do filme pintando no estúdio verdadeiro deixado pela Tove real. Foto: Tommi Hinynem/Nordisk Film
Além disso, uma reflexão trazida pelo filme que foi valiosa para mim, como estudante do Ensino Médio, mas pode ser valiosa para qualquer outra pessoa e aplicada à diferentes fases da vida é que está tudo bem não saber o que fazer pelo resto de sua vida. O recorte da vida de Tove escolhido para o filme foi até o momento em que ela descobre o que quer, logo durante o enredo vemos uma mulher de cerca de trinta anos que é apaixonada por tudo e quer fazer tudo, tendo o auxílio de seu amor, Vivica, para a decisão final.
Logo, isso me fez pensar bastante e me causou uma certa tranquilidade, pois atualmente há uma pressão absurda para que os adolescentes decidam o que querem fazer da vida apenas com dezessete anos, então ver que uma própria artista, que supostamente já nasceu com o seu talento basicamente encaminhado ainda não sabia me deixou mais tranquila, no sentido de ver que é algo super normal e que esse processo de descoberta pode ser lindo. Com certeza, essa não foi a intenção da diretora, já que o sistema educacional da Finlândia é bem diferente do Brasil, mas mesmo assim, aconteceu hahahaha.
Por fim, uma coisa que senti falta no filme, mas acredito que não tenha o que fazer é que percebemos que a relação da artista com o pai teve um grande impacto na sua vida, mas não foi bem explicada. Nós percebemos que é uma relação ambígua, pois seu pai é extremamente rígido com ela, mas também é apaixonado por tudo o que ela faz e não entendemos da onde isso vem, pois há uma fala em que a mãe de Tove diz algo como “Mas ele sempre foi assim, filha!”. É perceptível também que essa ambiguidade afeta diretamente na forma como a protagonista se enxerga e se comporta no mundo. Entretanto, a relação em si, poderia ter sido mais elaborada, de modo a conseguirmos entender absolutamente todas as facetas de Tove. Mas se nem mesmo a artista, filha dele, conseguiu entender e explorar, resta ao público apenas imaginar.
Com isso, percebemos que esse filme maravilhoso acompanha completamente a visão de Tove, não apenas por ela ser a protagonista, mas porque a visão que criamos dos personagens foi influenciada pela visão que imagino que ela tenha tido das pessoas ao longo de sua vida. Deste modo, finalizo esse post recomendando fortemente que você tente assistir a essa obra de arte e quem sabe, comprar alguns dos livros de suas ilustrações publicados por aí!
E aí, se interessou em ver o filme? Obrigada por ter lido até aqui! Espero que tenha gostado e te vejo na próxima quarta-feira <3
Por,
Carol Moreiras
Nota: O termo sáfico foi inspirado na poeta grega “Safo” e é correspondente a pessoas alinhadas ao gênero feminino que se relacionam com outras alinhadas ao gênero feminino. Sendo então utilizado para não fazer uma definição exata da orientação sexual das pessoas envolvidas, assim como usei para descrever Tove. Isto é porque o termo é abrangente para pessoas lésbicas, bissexuais, panssexuais, queer e que não se rotulam, diferentemente do termo “relacionamento lésbico”, que quando aplicado para relacionamentos em que há pessoas não lésbicas envolvidas, contribui para a invisibilização dessas outras sexualidades, mas é ótimo para quando o relacionamento é de duas pessoas lésbicas.
Como sempre, minha afilhada, você é magnifica em sua explanação. Lendo atentamente suas palavras, me veio na memória todo o filme, como se eu estivesse acabado de assisti -lo. Parabéns pela sua maestria com as palavras.
ResponderExcluirMadinha linda, agradeço infinitamente por ter me proporcionado, junto com o padinho, a oportunidade de assistir esse filme. Obrigada também pelas conversas que tivemos após assistí-lo, com certeza elas me ajudaram a formar a minha opinião sobre a obra!
ExcluirMuito bom, Carol! Eu adorei! Deve ser um filme realmente muito legal!
ResponderExcluirPERFEITA!
Obrigada, minha LINDA!! É ótimo mesmo!
ExcluirNão tem como não se impressionar com a sua capacidade de analisar e esmiuçar detalhes que passariam desapercebidos por mim como a paleta de cores utilizadas, câmera texturizada e etc, ler seus textos sempre dá vontade de conhecer mais ou reler, reassistir a arte que vc analisou só para prestar mais atenção e olhar por outro ângulo as sutilezas que você expõe com tanta leveza e encanto!
ResponderExcluirTitia, eu adoro seus comentários demais porque você consegue brincar com palavras bonitas e formar um comentário coerente e lindo de se ler!! Obrigada pelo carinho ❤️
ExcluirNossa Carol obrigada você pelo carinho, agora até me senti lisonjeada com seu elogio de que consigo brincar com as palavras, vindo de você que admiro tanto como pessoa e na forma que se expressa na escrita!!
ExcluirEsse é um filme que eu provavelmente não me interessaria em ver com meus olhos. Mas é muito legal vê-lo por meio dos teus! Excelente!
ResponderExcluirAdorei seu comentário, papai! Divertido isso! Obrigada <3
ExcluirOba, assisti ao filme novamente, agora com alguém explicando partes que não ficaram claras. Brincadeiras a parte consegues com riqueza de detalhes falar do belo filme que padrinho e madrinha viram com a afilhada. Além do que em seus posts sempre trazes alguma nova questão, informação para discutir, refletir. Vai afilhada.
ResponderExcluirAiai padinho kkkkkkkkkk Mas devo dizer que conversar com você e a madinha (enquanto tomávamos sorvete) após assistir o filme foi essencial para formar minha opinião! Se você não tivesse me dito que nem mesmo a escritora havia entendido sua relação com o pai, eu não teria me tocado de que era impossível o filme mostrar isso, já que se passava na visão dela e ainda teria tirado nota na minha avaliação! Então muito obrigada pela sua análise também!
ExcluirMuito legal ler suas análises e conjecturas com a vida real... a cada dia conheço um pouquinho mais desse universo que é você!
ResponderExcluirQue lindo, mamãe! Também sempre pensei que a forma que uma pessoa vê a arte diz muito sobre o como ela vê o mundo, estando consequentemente interligada a sua personalidade, mas ainda não tinha reparado que mostrando minhas opiniões sobre essas coisas nos meus textos, estava mostrando um lado meu para o público! Obrigada por abrir meus olhos para isso, amo você ❤️
Excluir