A vida está vermelha, assim como no céu - 45a. Mostra Internacional de Cinema de São Paulo
Olá, querido leitor! <3
Seja muito bem-vinde, eu sou a Carol Moreiras, tenho dezesseis anos e aqui neste blog falo sobre cultura, então pode pegar sua xícara, sentar-se confortávelmente e se preparar para tomar um chá cultural comigo! Hoje nós vamos analisar o filme dinamarquês “Assim como no céu”, exibido exclusivamente na 45o. Mostra Internacional de Cinema de São Paulo (21 de outubro - 3 de novembro), que termina hoje!
A Mostra Internacional de Cinema de São Paulo é um evento que tem como objetivo promover a cultura cinematográfica, exibindo diversos filmes inéditos nacionais e internacionais, também com a intenção de unificar o cinema com o espaço urbano. “É para a cidade que ela é feita. E eu sinto que existe um carinho de São Paulo pela Mostra. É um momento de ocupar lugares, um trabalho de quinze dias que faz a diferença” afirma a diretora do evento, Renata de Almeida em entrevista para a Revista Veja.
Sabendo dessas informações, assim que descobri a existência do festival, fiquei super animada para ir! Então no dia 28 de outubro fui assistir o filme “Assim como no Céu”, de direção e roteiro de Tea LindeBurg, produzido na Dinamarca, em 2021. Minha nota para ele foi 3,5 estrelas e eu tive que votar mesmo! Pois além de precisarem de um balanço do público, esse filme fazia parte da competição de novos diretores, que a mostra promove.
A obra conta a história de Lise (Flora Ofelia Hoffman) e sua mãe (Ida Caecilie Rasmussen), ela é uma garota de catorze anos que está super animada porque será a primeira de cerca de oito filhos da família que irá para a escola. Assim, tudo “parece” bem, até que sua mãe grávida entra em trabalho de parto e tem diversas complicações. O filme todo se passa em aproximadamente dois dias, trazendo várias reflexões sobre religião, relações familiares e o papel feminino.
O cenário é o campo no século 19, então já podemos sentir uma atmosfera complicada sendo criada diante dos temas discutidos e ela foi desenvolvida de forma muito bonita pela direção de áudio. Desde o começo do filme, nós podemos sentir a tensão. No geral, crianças brincando costumam passar uma sensação de calmaria, mesmo que elas façam bagunça, já que é algo natural e divertido dessa fase da vida. Entretanto logo nos primeiros minutos, os filhos da família se divertindo e representando a infância provocam ansiedade na mente do telespectador, a energia é caótica e mesmo quando tudo parece bem, sentimos que algo errado está por vir. Elas gritam demasiadamente e mesmo que tudo seja só uma brincadeira, há momentos que passam a sensação de que alguma delas está em perigo.
Além disso, ainda no tema da direção do áudio, houve a escolha de, através dos sons presentes no cotidiano comum do campo, nos fazer parte do que está acontecendo, acrescentando um realismo para as cenas. Enquanto as conversas ocorrem, os sons do trabalho, das crianças brincando e do rio passando não se tornam mais baixos, de modo a simular a realidade e intensificar a energia caótica presente na atmosfera do enredo.
Também, a fotografia em conjunto com os simbolismos nos fizeram acompanhar a história melancólica de forma super artística. O mais marcante é definitivamente o da borboleta. Ela aparece durante três momentos da história, representando a metamorfose da protagonista passando forçadamente da infância para a fase adulta.
Quando ainda é criança uma borboleta aparece na janela, com o Sol batendo em suas asas de forma tranquila, representando a vivacidade. No momento em que as coisas começam a ficar mais complicadas, ela voa com mais dificuldade, uma tentativa de resistência aos obstáculos de sua vida. Já no fim, o inseto está preso na cortina, cortado ao meio, já cercado por teias de aranha: não há mais esperança, não há mais motivo para tentar, agora a protagonista é adulta e não tem nada que pode fazer para mudar isso.
Outro simbolismo, não é diretamente um simbolismo, acredito que a diretora não tenha feito isso com a intenção dessa representação, já que, a garota sente que perder o prendedor o cabelo se sua mãe é o motivo para o sofrimento dela, Deus a castiga por isso. Porém, é possível interpretar que a relação dela com o objeto significa também essa mudança entre as fases de sua vida.
Vou te contextualizar para que você possa compreender melhor: No começo da história, Lise coloca o prendedor de sua mãe e o coloca em seu cabelo em tom de alegria, para mim, isso demonstra os sonhos de uma criança, ela quer crescer, está contente que vai para a esola e está curiosa com esse novo mundo que está prestes a encontrar. Na metade do filme, ela perde o enfeite, nesse ponto da história tudo já estava mais complicado, ela sentia a dor de sua m`ãe como se fosse dela, então para mim, perdê-lo representa uma tentativa inconsciente de fugir dessa realidade que a atormenta, pois ele seria a personificação da fase adulta, ao deixá-lo para trás é como se ela se afastasse disso. O longa não tem um final feliz, o destino de sua mãe interfere diretamente no da garota, então já nos últimos minutos ela utiliza o objeto para prender seus fios, de forma melancólica e trágica: foi forçada a se tornar adulta e isso fica claro através da sua relação com o prendedor.
Um último simbolismo utilizado é sem dúvida alguma a psicologia das cores. O vermelho representa amor, intensidade, raiva e ódio, de uma forma ou outra, todos esses sentimentos foram presentes no filme. Em um sonho que Lise e sua mãe tiveram, o céu está vermelho, representando de forma denotativa o sangue, entretanto no sentido figurado, acredito que a escolha da cor tenha sido feita também devido aos sentimentos ditos anteriormente, para nos mostrar que a vida delas está rubra, assim como no céu.
Falando nisso, a fotografia é lindíssima e nos ajuda a acompanhar a visão de Lise, literalmente, em alguns momentos a câmera aponta para o ponto de vista dela. Porém em outros vemos tudo de forma mais intensificada, texturizada e próxima da angústia que ela sente, visualizando, então, um conjunto da sua visão real de mundo e o que ela interpreta disso pelos seus pensamentos.
A direção de imagem também nos faz transitar entre os sonhos e a realidade. As crenças religiosas se mostram de suma importância para o contexto da época, basicamente todo o sofrimento da mãe foi mantido porque ela se recusava a chamar um médico, pois sonhou que se ele viesse ela morreria. O sonho é um diálogo de Deus com ela, em sua visão, e todos da família creem nisso fielmente.
Imagem do sonho que tanto Lise quanto sua mãe tiveram
Dentro desse aspecto, é representado o conflito interno de Lise com a religião: “Se Deus existe, por que ele faz minha mãe sofrer?” É um pensamento que permeia a protagonista ao decorrer do longa-metragem. Sua prima, criada no mesmo contexto, acredita que é um castigo pela mulher ter comido o fruto proibido, então a mãe dela provavelmente queimará no inferno. Entretanto, diante dessa resposta, Lise recorda a prima que o homem também comeu o fruto! Achei esse diálogo literalmente o mais importante do filme, pois podemos compreender que o seu ponto alto e a principal reflexão que ele passa está relacionada ao papel da mulher no mundo, além da existência de Deus e a incoerência na forma que ele, caso exista, permite que as mulheres sejam tratadas nas sociedades patriarcais.
Como dito anteriormente, o final é trágico, não vá assistí-lo esperando um filme de época que conte a história de mulheres fortes com a intenção de nos passar uma mensagem de esperança. O longa-metragem foi uma representação realista do que acontecia com grande parte das pessoas do gênero feminino daquele período da história, para nos lembrar que os finais felizes aconteciam sim, mas eram as exceções, uma raridade.
Apesar de todos os simbolismos e das reflexões valiosas, o filme teve grandes falhas, que não tem como ignorar. Diversos pontos essenciais foram mal explicados e a história foi extremamente parada. Esse segundo ponto, provavelmente foi uma escolha da diretora para também nos ambientar no desenrolar da obra, nos passar a sensação de viver a dor da noite junto da garota. Seria ótimo, caso todos os pontos tivessem sido bem desenvolvidos, mas como não foram, pelo menos para mim, não funcionou.
A figura do pai aparece como um homem curtidor, vai para as festas, volta de madrugada e simplesmente odeia a filha. Do nada ele chega em casa no momento de mais tensão da noite e da um tapa na cara dela, completamente do nada e sem motivo aparente. Podemos imaginar que o motivo para ele odiá-la seja ela ser a primogênita e ter nascido mulher, mas é apenas uma suposição que não temos como saber se é verdade ou não. A figura dele foi importante para a criação da personagem principal, toda vez que ele aparece, ela se mostra angustiada, porém isso não foi bem explicado, o que considero uma falha muito grande.
Além disso, no final, o sexo do novo bebê não fica explícito, quando a garota pergunta primeiro respondem que é menina, depois que é menino, depois outra pessoa diz que novamente que é menina, e ao fim o deixam de lado na cama da mãe, todo ensanguentado (do parto). Seria uma criança intersexo? Faria sentido o abandono, devido ao contexto histórico e a forma que todos pareciam aceitar o sofrimento da mulher, como se ela estivesse sendo castigada por alguma coisa. Ou seriam gêmeos e teriam abandonado a bebê que nasceu garota? Também faria sentido e justificaria o parto extremamente complicado, além de que ao final decidem dizer que o filho é sim um menino, o que condiziria com terem abandonado a menina. Muitas especulações, nenhuma confirmação e acredito que pelo fato do nascimento dessa criança ser basicamente o plot do filme todo e o sexo dela ter sido colocado como um ponto importantíssimo devido ao sonho profético de sua mãe, isso merecia ser explicado com mais cuidado.
Mesmo com as falhas, o filme é interessante e vale a pena devido as reflexões.
E você, viu algum filme na mostra ou vai tentar ver hoje no último dia? Vamos conversar nos comentários!
Obrigada por ter lido o texto todo! Você pode saber mais sobre a mostra clicando aqui .
Por,
Carol Moreiras
Brilhante. Interpretação aberta (democrática) dos tempos atuais. Parabéns.
ResponderExcluirMuito obrigada, padinho! Acho que irá gostar das reflexões do filme ❤️
ExcluirAmeiii sua interpretação, tão detalhada que, em vários momentos, senti como se estivesse assistindo o filme..... fiquei encantada.🦋🦋
ResponderExcluirAaahhh, vovó, que ótimo isso, obrigada!! 😘😘😘
ExcluirVocê tem tanto cuidado com as palavras ao expressar oq sentiu e oq interpretou isso é incrível!
ResponderExcluirObrigada, Bela linda!!!!! Fico feliz que perceba isso 💓
ExcluirAchei bastante interessante sua análise e bastante válido o contexto das suas criticas ao filme!! Não assisti nenhum filme na mostra, mas tive vontade de ter assistido os mesmos que você somente para debater o tema contigo rsrs
ResponderExcluirTitiaaaa, super recomendo! Acho que o último filme que eu vi (despedida) você irá gostar mais, ele é bem fantasia e ao mesmo tempo traz reflexões pertinentes, logo logo sai análise 🥰
ExcluirBrilhante Carol, suas reflexões e analogias vão além... também nos levando a alguns questionamentos. Sem dúvida, o forte do longa foram os simbolismos que hora nos faziam mergulhar nos pensamentos da protagonista, ora passearmos sobre a historicidade das personagens, nos remetendo ao contexto histórico. Você prepara o leitor para um filme realista, denso que se distancia do final feliz. Mas o que é a vida se não uma montanha russa com altos e baixos, incertezas e busca por dias melhores? Parabéns sempre por sua escrita e obrigada pelo texto.
ResponderExcluirÉ verdade isso que você disse, mamãe!! Temos sempre que buscar por dias melhores. Eu que agradeço por ter lido, gostado e me levado pra ver rsrsrs 💖
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