Sair da zona de conforto e mergulhar em uma chuva de cavalinhas - Kafka à Beira Mar
“Então é isso que é ser livre? Ser sozinho?” - Kafka à Beira Mar (Haruki Murakami)
Olá, querido leitor! <3
Seja muito bem-vinde, sou a Caroline Moreiras, tenho dezesseis anos e aqui neste blog falo sobre cultura, então pode pegar sua xícara, uns biscoitos, uma cobertinha (porque está frio) e se preparar para tomar um chá cultural comigo! Hoje iremos falar sobre o segundo livro que li no ano, que me tirou completamente da minha zona de conforto: “Kafka a Beira Mar” de Haruki Murakami.
Ilustração por Lisa Ito, veja mais em (http://cargocollective.com/lisito/Kafka-on-the-Shore)
Lê-lo foi uma experiência diferente, em vários sentidos. Para ser sincera, comecei no final de 2018 e lia todas às vezes que ia dormir na casa de uma amiga, enquanto a esperava acordar, mas nunca continuava, apesar de ter ficado apaixonada pela poesia que suas frases proporcionavam. O motivo eu não sei, mas provavelmente foi o universo encaminhando para dar o tempo certo, já que se eu tivesse lido naquela época, tenho certeza absoluta que teria odiado.
Logo, no começo desse ano decidi de uma vez por todas terminar a amostra grátis que tinha baixado para caso gostasse, comprar o livro definitivamente e ao terminar, o comprei! Sua leitura demorou um total de um mês, porque sempre que começava a ler, acordava depois de uns 40 minutos em cima do Kindle e mandava mensagem para o meu amigo nervosissíma porque estava gostando muito, mas não conseguia ficar acordada!!
A leitura era linda, mas não conseguia me cativar, até que cheguei em uma cena, ou melhor, A CENA, que me revirou o estômago, me deixou atônita, angustiada e me fez entrar em uma grande reflexão se deveria abandoná-lo ou terminá-lo. Mas a escrita e a forma que Haruki amarrou todos os mistérios dessa história foi tão boa que eu não tive outra escolha, ao não ser continuar, estava tão presa no enredo e tão curiosa para saber o que iria acontecer que precisei seguir.
Essa é uma obra que eu preciso reler quando estiver mais velha, pois me causou desconfortos absurdos que acredito que teriam sido um pouco mais suavizados se tivesse uma bagagem cultural e de experiências maior. Por isso, digo que a classificação dele, na minha opinião, deve ser +17/18 (eu o li com 15) e mesmo assim, é importantíssimo checar os gatilhos e você pode vê-los AQUI.
Kafka à beira mar é da literatura japonesa e faz parte de um movimento chamado “realismo mágico”. Seu plot principal consiste em uma releitura da tragédia grega de Édipo-Rei que tem como temas principais a realidade e o misticismo, nos fazendo questionar se eles são tão distantes quanto aparentam ser mesmo. Essas antíteses são mescladas em uma escrita viciante, poética e deliciosa que prende o leitor a ficar extremamente curioso com o que vai acontecer, principalmente depois DA CENA, não conseguindo parar no meio de um capítulo.
Em relação ao enredo, temos duas histórias paralelas, que te geram a dúvida se irão se interligar em algum momento, por parecerem ter fatos relacionados em diversas partes, mas nada concreto o suficiente para comprovar que caminham juntas. Nós conhecemos o Kafka, um garoto de quinze anos que foge de casa para escapar de uma profecia lançada pelo seu pai. E também Nakata, um senhor de sessenta anos que sofreu um acidente na infância, perdeu a memória e tem a habilidade de se comunicar com cães e gatos.
A complexidade de todos os envolvidos na trama é absurda. Os personagens são esféricos, conhecemos seus medos, aflições, compreendemos da onde eles vem e podemos ver que por mais que às vezes aparentem ser longe da realidade demais para serem normais, tendo algumas habilidades e vivências que ninguém teria, eles são apenas humanos, todos eles, e isso que torna a história tão especial. Os próprios animais da história são alusões aos perfis sociais que encontramos na sociedade, é tudo bem pensado. Durante a leitura, temos diversas reflexões sobre a vida, destino, amor e liberdade; e somos presenteados com o delite de frases belas e poéticas, como: “Em certas ocasiões, o destino se assemelha a uma pequena tempestade de areia, cujo curso sempre se altera (...) As mudanças se repetem muitas e muitas vezes como um balé macabro que dança com a deusa da morte antes do alvorecer (...)”.
Bem, se você tiver interesse em viajar para esse universo literário, aqui vão as minhas recomendações para uma viagem proveitosa e segura:
Esteja preparade para sair da sua zona de conforto! Além das cenas pesadas, o livro é, falando no vocabulário direto: muito doido, então se desprenda da realidade!
Cheque os gatilhos!!!
Estude o básico da tragédia de Édipo, antes de lê-lo, há alguns vídeos no youtube de cerca de dez minutos que já explicam o suficiente para o entendimento. Além disso, leia-o tendo em mente que é uma releitura dela, porque caso contrário, seu choque será enorme e provavelmente negativo.
Leia com calma: apesar do mistério envolver e fazer com que a gente queira engolir o livro, a história é complexa e tem 471 páginas, lendo devagar, temos tempo de assimilar a história, nos deliciar com as frases e refletir um pouco sobre o que o autor estava querendo dizer com cada detalhe.
Após acabar, mesmo que sentir que tenha entendido tudo, assista ou leia outras resenhas e análises sobre a história. Recomendo demais a resenha do canal 1001 LIVROS. Foi importantíssimo para que eu pudesse compreender nuances que não havia percebido e até mesmo entender um pouco mais sobre o universo literário do autor.
Assista esse vídeo: https://www.youtube.com/watch?v=Nbf-rrf7lfg Sem explicações, apenas leia e assista.
Me siga no skoob (Caroline Moreiras) e leia a resenha resumida que publiquei lá em 18 de junho de 2021.
Aproveite!
É isto, querido leitor, espero que tenha conseguido te convencer a ler essa história e caso já tenha lido, comente aqui o que achou. E você, já leu alguma coisa muito louca, que te revirou o estômago, mas você amou mesmo assim? Vamos conversar nos comentários!
Até a próxima quarta : )
Por,
Carol Moreiras
Oi, gente, os gatilhos estão em inglês e nem eu sei como traduzir uma página do google kkkkkk então vou deixá-los aqui:
ResponderExcluir- Crueldade Animal
- Beber sangue
- Morte
- Incesto
- Pedofilia
- Giría com R (termo capacitista que não deve ser usado)
- Errar gênero/pronome de uma pessoa de propósito com a intenção de ofendê-la (transfobia)
- Estupro
- Violência
Parece tenso! Muito tenso...
ResponderExcluirE é!
ExcluirMais um post que nos incentiva a ler os livros que você resenha. Como sempre brilhante.
ResponderExcluirMuito obrigada, padinho! Lembro que quando acabei te mandei várias mensagens falando sobre e você disse que ia adicionar na sua lista de livros para serem comprados! :) Espero que goste
ExcluirQue bacana acompanhar o seu processo de leitura com esse livro... Isso me deixa mais confortável em pensar que é absolutamente normal abandonarmos um livro, mesmo ele sendo bom, e depois retornarmos a leitura em um momento que estejamos preparados.
ResponderExcluirE sobre sua pergunta se já li algo que me revirou o estômago? Já, tive experiências que amei e outras que não gosto nem de lembrar o nome... O livro que me trouxe boas reflexões foi o Ensaio sobre a Cegueira do José Saramago. Instigante, profundo, causa náuseas em vários momentos da leitura, mas é típico daqueles livros que quando vc lê, fica com ele por muito tempo em sua mente, digerindo... vale à pena a leitura.
Simm, é completamente válido abandonar um livro, mesmo que você não pretenda retornar futuramente, tem livros que simplesmente não serão para você, mesmo que todo mundo goste, às vezes algum gatilho dele te faz mal, outras vezes você simplesmente não gosta da história e está tudo bem com isso! Lembro-me que você falou sobre o Ensaio Sobre a Cegueira, penso em ler futuramente, mas ainda não estou preparada para isso.
ExcluirHavia esquecido desse livro (Ensaio sobre a cegueira). Também lí e realmente é perturbador. Depois lançaram o filme; lembro que resisti muito tempo até ter "coragem" de assistí-lo. Quando bem jovem lí também O exorcista (pensando em bagagem cultural, acréscimo nenhum, mas a história deu um medo danado e durante muito tempo fugia até da minha sombra).
ResponderExcluirMadinha, super entendo essa sua questão de precisar tomar coragem para assistir o filme. Apesar de ser completamente apaixonada pela literatura, acredito que o cinema pode ter esse papel de intensificar ainda mais os sentimentos que temos quando acompanhamos apenas as palavras, em cores vívidas e expressões faciais, conseguimos reviver tudo o que percebemos no livro, podendo ser ainda mais doloroso! Nossa, 0 coragem de ler livro de terror KKKKKK o máximo que eu tentaria é "Coraline" e olhe lá, porque fiquei traumatizada com o filme, imagina se ler o livro também (mas infelizmente a editora Intrínseca lançou uma edição linda e eu estou me sentido tentada a me desafiar)!! 🤭 kkkkkkk E Madinha, "O exorcista" não ser um livro de poesia, não significa que não cria bagagem cultural! O horror é um gênero extremamente complicado e imagino que super difícil de se escrever, causar medo em alguém só com as palavras transita em uma linha tênue entre o verdadeiro terror e o causar riso no público por reconhecerem que foi algo falho. Sendo assim, qualquer livro do gênero que você lê é ótimo para criar comparações entre os mesmos, conseguindo analisá-los e entendê-los :)
ExcluirComecei a ler por recomendação sua, Carol. E eu adorei!
ResponderExcluirHonestamente, eu fiquei levemente perdida no início porque não me lembrava do que se tratava, mas já foi conquistando meu coração pelo fato de se passar em um ambiente fora do qual estou acostumada (a maioria dos livros que leio se passam nos EUA, na Inglaterra ou no Brasil). Foi bacana perceber as diferenças e semelhanças culturais entre o Ocidente e o Oriente.
A escrita de Murakami me passou um sentimento contraditório: assim como você, eu demorei um tempo para pegar o ritmo de leitura. Mesmo o início sendo “maçante", considerei a forma como ele narra bem fluida e prazerosa.
Claro, houve pontos incômodos na história (especialmente, como você citou, A CENA! Fiquei malzinha e li correndo para o horror passar logo – aliás, não entendi o significado, se tiver algum, até hoje), porém muitos deles foram, de certa forma, “amenizados” assim que vi que era a releitura de Édipo, pelo menos na minha perspectiva acho que saber disso fez com que eu lidasse relativamente bem com eles. Inclusive, esse foi justamente o livro que me deu uma revirada no estômago, só que me marcou de forma positiva.
Kafka à Beira Mar é realmente uma experiência bem marcante. Sinto que para conseguirmos entender a mensagem de Murakami (se é que ele quis passar algo kkkkkk) é preciso várias releituras e talvez não seja a história certa para todo mundo. Porém valeu muito! Fiquei viciada no enredo e no realismo mágico (estou até querendo ler Cem Anos de Solidão por causa disso).
Amei muito sua resenha! Está maravilhosa!
Barbie, fico contente demais que tenha te feito ler essa obra de arte!
ExcluirAchei bem interessante esse ponto que você levantou sobre ser em um ambiente diferente do que você está acostumada! Normalmente, nossas leituras são extremamente ocidentalizadas e americanizadas. Na resenha do canal 1001 livros descobri que o Murakami, apesar de ter nascido no Japão, é um escritor bem ocidentalizado, pois morou bastante tempo por aqui. Mesmo assim, consegui reparar diferenças nas temáticas e na escrita dele que ficam claras em contraste com a literatura ocidental e adorei expandir meus horizontes literários!
Além disso, desde que li seu comentário pela primeira vez entrei em profunda reflexão sobre o significado DA CENA. Acredito que seja impossível encontrar um significado de fato concreto sobre ela, mas se for parar para pensar tudo aquilo pode ter sido uma tentativa do vilão (se é que há um) de se tornar perfeito. Como disse na resenha, todos os personagens eram esféricos, conhecíamos suas falhas e qualidades, mas até mesmo ele que parecia inabalável e acima de todos demonstra com A CENA uma tentativa de consumir as qualidades do outro (mesmo que o outro não seja completamente humano, todos os animais eram alusões aos perfis sociais e eram bem personificados), se apossando do que eles tinham para se tornar o que tanto desejava, mostrando que, no fundo, ele era tão inseguro e frágil quanto qualquer outro ali, o final DA CENA comprova isso. Talvez seja uma metáfora pra gente (eu, você e todo mundo)...Independente do número de qualidades que tenhamos, nunca nos sentimos o suficiente, estamos em comparação constante e tentamos nos apossar de características que são únicas de outras pessoas (e no caso do livro, eram mais singulares ainda, né, se é que me entende) para nos tornamos melhores.
Para mim essa história foi realmente uma doidera, porque eu só descobri que era uma releitura de Édipo, quando comecei a reparar que as coisas estavam beeeemmm estranhas e fui pesquisar KKKKKKKK Então concordo super com o que você falou, às vezes não é para todo mundo e é preciso muitas releituras para entender. Cem anos de Solidão também está na minha lista, mas não sabia que era realismo mágico, talvez tente ler ano que vem, e já é uma forma de fazer o que você disse no primeiro parágrafo, de se afastar dos Estados Unidos ou Inglaterra, já que é literatura latina!
Enfim, amiga, obrigada por ter lido Kafka à beira mar por indicação minha e por ter comentado na resenha! Adorei demais as suas colocações❤️
Nossa, agora eu pensei também em relação ao significado da cena que também pode representar o como a gente só vê o que quer no outro e ainda idealiza características que nem são tão incríveis assim, só porque não são nossas. Vou te explicar melhor no whatsapp, se alguém estiver lendo os comentários e ficou curioso pra saber, leia o livro e eu digo 👀 👀
ExcluirCarol até olhei no meu skoob pra lembrar se tinha algum livro que a leitura havia me deixado incomodada e não achei, porque você melhor que ninguém bem sabe meu estilo de literatura😉e as vezes até te coloco doida com isso né rsrs...
ResponderExcluirMas lembrei de um filme muito pertubador para mim até hoje, que assisti quando estava no segundo ano médio do curso técnico e o professor exibiu o "Pixote a lei do mais fraco" de 1981 que retratou a realidade tão dura e cruel de um menor abandonado.
De qualquer forma seu texto sempre me desperta uma curiosidade em conhecer a obra que você está analisando de tão cativante que são suas postagens!!!🤩
PS. piada interna, obrigada por essa dica aquele dia😉😄
ExcluirKKKKK, titia, adoro ter que procurar livros para você!
ExcluirNossa, parece bem complicado mesmo esse filme, principalmente por mexer com essa questão infantil. Acredito que às vezes o cinema tem a capacidade de nos deixar mais traumatizados que a literatura, porque com ele iremos registrar as imagens e acabar nos lembrando com uma certa frequência...Obrigada pela sua colocação!
Fico feliz que minhas postagens te proporcionem isso, agradeço imensamente pelo carinho❤️