Constelações Literárias - Exposições do IMS
Olá, querido leitor! <3
Seja muito bem-vinde, sou a Caroline Moreiras, tenho dezesseis anos e aqui neste blog falo sobre cultura, então pode pegar sua xícara, sentar-se confortavelmente e se preparar para tomar um chá cultural comigo! Hoje eu tenho um pedido que pode parecer um pouco esquisito, mas que com tempo você vai entender: Pegue um telescópio e vá para uma biblioteca, porque hoje iremos falar sobre constelações literárias que conheci no Instituto Moreira Salles (IMS)! Site do instituto
Desde 2017 o IMS, localizado na Paulista, nos presenteia com diversas exposições gratuitas para que possamos mergulhar mais no mundo cultural. Agora, estão em cartaz duas exposições literárias: “Constelação Clarice” e “Carolina Maria de Jesus: um Brasil para os Brasileiros”. Vê-las foi uma experiência diferente, porque eu já tinha ido ver em museus artes visuais e plásticas, mas não sabia como funcionaria com algo literário!
Quando você for ver, recomendo que vá com bastante tempo e preparade para andar bastante (cada exposição tem dois andares), para que possa ver as duas e todos os seus detalhes. Cheguei com as minhas amigas por volta das 14h e saí às 17h, acredito que foi um tempo bom. Amei demais as duas e a maneira como mesmo na troca de andares continuávamos imersos nas histórias das escritoras, pois nas escadas ouvíamos um áudio delas falando e líamos suas frases nas paredes. Agora vou falar um pouquinho separadamente sobre cada uma delas:
Constelação Clarice - Clarice Lispector:
O que mais gostei nessa foi a forma que foi escolhido contar a sua história. Como o próprio texto de introdução disse, essa exposição mais parte de Clarice, do que é sobre ela. Enquanto via frases de seus livros nas paredes, entrevistas que deu e seus documentos, pensava que era necessário esmiuçar a escritora, para vê-la por inteiro e a exposição fez isso muito bem.
Em uma caminhada que faz sentido em todas as direções, conhecemos diversos artistas (escritores, pintores, escultores) e suas conexões com Clarice Lispector, de modo que conhecemos ela, através deles e eles, através dela. É delicado, como uma colcha de retalhos que são costurados para serem um só, mas também fazem sentido individualmente.
Aqui, por exemplo, há a obra "Onírico" de Djanira, ao lado de um trecho de “Água Viva”, para que possamos interpretar sua conexão
Além disso, gostei que na exposição não conhecemos apenas a história da escritora, como também suas histórias. Mergulhei apenas duas vezes em sua literatura, li “A Hora da Estrela” e um livro infantil, “A Mulher que Matou os Peixes” em 2019, mas isso já foi o suficiente para ficar na minha cabeça para sempre. Na exposição, pude ter um contato com diversos de seus textos. Eles são complexos, a mostram por completo e tratam de diferentes assuntos. Durante a visita, pude conhecer alguns de seus temas principais como o misticismo, a origem e entender de que maneiras ela gostava de discuti-los, através de artistas contemporâneos, vendo também o como eles ajudavam a compor sua personalidade e maneira de enxergar o mundo.
Texto que fala sobre a proximidade de Clarice com o tema da Origem
Clarice sobre o mítico. Nas paredes, haviam diversas frases de seus livros
Logo, com essa seleção descobri que a própria Clarice é uma constelação, não uma estrela só. Você sabia que a artista pintava? Porque eu não tinha ideia! Então lá, além de ter esse conhecimento, pude ver os quadros da artista e o que isso representava para ela. Em sua opinião, a pintura era a coisa mais pura que fazia, era o que a empolgava: mexer com cores, texturas e formas, sem compromisso algum, mesmo que, nas palavras dela, seus quadros não fossem esteticamente bonitos.
Um quadro dela, de spoiler para você
Apesar de quase ninguém saber que ela pintava, Clarice nunca foi discreta sobre suas artes, todos os personagens de suas obras tinham conexão com a pintura
Isso pode gerar uma identificação do visitante com ela. Às vezes penso que ela é além desse mundo e que meus textos nunca serão tão bons quanto os que ela fez, mas saber que ela tem vários pedacinhos (ou estrelas) que a compõem, que, assim como eu, gosta de pintar e não acha que é boa em tudo o que faz, me tranquiliza, diminuindo a comparação. Esse sentimento faz com que a constelação se expanda também para quem vê a exposição, de modo que deixamos nossas interpretações e conversas, como estrelinhas, para compor o desenho galáctico do IMS. É sensacional mesmo! Recomendo demais!
Carolina Maria de Jesus: um Brasil para os Brasileiros
Apesar de ter amado a exposição da Clarice, a que eu mais gostei foi sem dúvida a da Carolina Maria de Jesus. Eu descobri tanta coisa sobre a vida dela que eu não tinha ideia que me causou um sentimento de raiva e felicidade ao mesmo tempo.
Raiva porque conforme caminhamos percebemos que ela nunca teve a oportunidade de contar sua história de maneira íntegra, sua voz foi tirada em quase todos os momentos que ela tentou falar. Carolina é muito mais do que “O quarto de Despejo”, ela não é “apenas” a “escritora da fome”, ela escreveu músicas, romances, contos, crônicas, textos memorialísticos, peças de teatro, foi mãe, mulher negra e brasileira.
Fotos dela com seus filhos
Sua conexão com a arte se mostra clara em suas frases
Também sinto felicidade porque finalmente pude conhecê-la e de maneira cuidadosa. A intenção da exposição era justamente essa, nos mostrar uma Carolina inteira, dizendo o que foi mudado de sua história, como seus livros que tiveram trechos omitidos, alterados, nomes mudados e inclusão de trechos que ela nunca escreveu.
Logo, de maneira cuidadosa, o IMS trabalhou sua história da maneira mais original possível, através dos seus manuscritos, em letra cursiva e de depoimentos de suas filhas. Também contou com uma curadoria externa, formada por profissionais negros e negras, para que fosse possível contar uma história justa e fiél à ela.
Portanto, podemos ver que, assim como Clarice, essa artista também é uma constelação e conhecemos todas as suas facetas em conexão com obras de outros artistas brasileiros. Essa exposição foi bem mais colorida e mais cheia do que a de Clarice, por esse motivo me encantou mais também.
Haviam diversas obras feitas com objetos usuais do cotidiano da população pobre
Além disso, ela tem conexão direta com a história do país, com uma linha do tempo que conta toda a história da escravidão e depois se volta para o Brasil atual, de modo a questionar: “Há de fato igualdade racial como alguns brasileiros dizem que há?” e mais “Quem diz? Quem são esses brasileiros?”.
Algumas obras da exposição
Nesse quesito, também temos uma conexão com o título da exposição “um Brasil para os brasileiros”. Esse nome foi dado com inspiração em um manuscrito de Carolina, que atribuiu a autoria ao político Ruy Barbosa, um homem branco da elite dominante do país. A escritora muda o sentido do título: os brasileiros não são todos iguais e os seus, são diferentes dos do político. Logo, essa exposição também foca nisso, conectando a escritora também, com outras personalidades com lutas semelhantes a dela.
Havia, por exemplo, essa obra falando sobre Marielle Franco. Interpretei que o artista quis dizer que sua voz foi retirada a força e Marielle se tornou uma manchete, sem respostas sobre o causador de sua morte
Por fim, uma frase da exposição me cortou o coração. Carolina Maria de Jesus disse que experimentou de tudo, menos a felicidade. Logo, para impedir que a população negra continue sofrendo, devemos em primeiro lugar, escutar essas pessoas, suas histórias e suas necessidades (para começar a praticar essa escuta atenta podemos, por exemplo, visitar exposições como essa). Em segundo lugar, devemos seguir em outubro, as palavras da escritora, que vi na escada enquanto subia para o segundo andar de sua exposição: “Um homem violento, atrabiliário e agitador, não deve ser eleito para dirigir um país”.
É isso, querido leitor, espero que tenha gostado de visitar um pouquinho dessas exposições de maneira online comigo e que eu tenha te convencido a ir vê-las pessoalmente!
Elas ficarão em cartaz até o dia 27 de fevereiro, no IMS (Avenida Paulista, perto da estação Consolação). Me chamem para ir que eu quero ver de novo!!
Obrigada por ter lido até aqui e quero saber de você: já leu alguma obra dessas escritoras? Como se sentiu? Vamos conversar nos comentários!
Por,
Carol Moreiras
Estou louca para ver a exposição, em especial da Carolina Maria de Jesus. No ano passado, tive o privilégio de assistir uma palestra on-line com a sua filha que é professora da Rede Municipal de Ensino. E ela contou detalhes do dia a dia com sua mãe, sua luta diária pela educação dos filhos e a injustiça do seu não reconhecimento pela nossa sociedade.
ResponderExcluirE sobre constelação? Cada postagem sua aqui no blog, várias estrelinhas surgem nesse universo, novos olhares, novas reflexões...
Essa exposição é maravilhosa! E que incrível que você teve o privilégio de ouvir a sua filha falando sobre a vida da mãe e essa parte afetiva da relação entre elas. Acho que a exposição também conseguiu transpassar isso de forma positiva, mostrando diversas facetas de Carolina para que pudéssemos enxerga-la por inteiro.
ExcluirMuito obrigada pela contribuição 🧡
No dicionário a palavra coincidência é o substantivo feminino que significa o ato de coincidir, indicando acontecimentos que ocorrem em simultâneo. Procurava algum livro de Clarice Lispector para conhecer um pouco de sua obra quando me deparei com a seguinte notícia: um escritor norte-americano (benjamin moser), autor de uma biografia de Clarice, fez comentários racistas a Carolina Maria de Jesus quando de um encontro, durante o lançamento de um livro, entre as duas escritoras.
ResponderExcluir(bati o dedo em lugar errado🤭), continuando:
ResponderExcluirAté aquele dia desconhecia as obras e a existência (falha minha também) de Carolina Maria de Jesus e é óbvio que comprei seu livro mais conhecido, Quarto de Despejo. A coincidência é que, apesar e por causa de escritos racistas, tive o prazer de conhecer um pouquinho da obra dessa grande artista brasileira. Outra coincidência é o IMS expor as obras justamente dessas duas escritoras. Não menos coincidência é que a resenhista foi a exposição e postou suas impressões e assim pude tomar conhecimento desse evento. Sobre as escritoras preciso ler outros livros de Clarice (lí "Todos os Contos") para entender sua obra que para mim ainda é difícil. A autora/obra me é um tanto misteriosa, hermética (não por acaso um livro que li de Hermann Hesse chamado O Lobo da Estepe, que também me foi de difícil compreensão, influenciou decisivamente a adolescente Clarice). Já Carolina Maria de Jesus me tocou mais pois sua escrita fala mais ao entendimento do meu cotidiano, da realidade. Recentemente assisti um documentário sobre escritoras negras e suas obras, a pouca divulgação, ostracismo, etc; quando falaram da Carolina foi possível ter uma ideia do quanto ela deixou ainda por ser estudado, publicado, encenado, filmado. Ela foi realmente uma multiartista.
Ah, vamos já organizar uma "caravana" para apreciar essa exposição.
Como sempre você nos coloca dentro do livro, da exposição com sua crítica detalhada, atual, realista. Continue.
(embora não faça diferença pois em qualquer situação racismo sempre é condenável) - as escritas racistas estão no livro biográfico "Clarice" onde o biografo tece comentários a respeito de Carolina.
Padinho, sua comparação entre a maneira que as obras de Clarice e Carolina fazem você se sentir ocorreu entre as próprias escritoras também. Recentemente (por coincidência) navegando no Instagram, me deparei com um post da TAG livros (programa de assinatura literária) que retratava uma conversa que aconteceu entre as duas escritoras, não sei o contexto exato, mas dizia:
Excluir"- Nossa, Clarice, você escreve tão bonito! - Disse Carolina
- E você escreve tão verdadeiro, Carolina!"
Essa verdade presente nas histórias de Carolina está ligada diretamente com o próprio título da exposição "Um Brasil para os Brasileiros", ela escreve para os Brasileiros, para os pobres, negros, mulheres marginalizadas e assim vai, gerando uma identificação, uma compreensão maior por parte de quem convive nesse cotidiano e não ignora a existência da diversidade brasileira. Clarice escreve lindamente também, seu poder de brincar com as palavras tecendo poesia em simplicidade me encanta. Ela também fala sobre pobreza, Macabeia de "A hora da estrela" é a demonstração do que a falta de dinheiro pode fazer com uma mulher brasileira, retirando todos seus sentimentos, sua inocência. Entretanto acredito que é completamente diferente ler a pobreza pela visão de quem já viveu isso, de quem já passou fome e por quem só ouviu falar. As duas são maravilhosas, mas de maneiras diferentes. E nós percebemos o racismo escancarado quando vemos que Carolina Maria de Jesus é extremamente menos reconhecida do que a Clarice, sua genialidade é diminuída, tentam apagar sua história ou resumí-la apenas para "a escritora da fome", quando como você mesmo falou e a exposição retrata isso também, ela era uma multiartista.
Obrigada por dizer o nome do livro, dessa maneira sei que caso queira ler alguma biografia de Clarice, buscarei por outras.
Adorei seu comentário 💗✨
Eu, por falha minha também, apenas conheci um pouco da história de vida da Carolina Maria de Jesus assistindo por tabela a mesma palestra on-line de sua filha, que a Viviane mencionou no comentário dela e realmente o não reconhecimento de suas obras tanto em vida como após sua morte é de sentir muita vergonha dessa desvalorização da cultura nacional de grandes artistas negras. Portanto, finalmente essa exposição no IMS valorizando um pouco do acervo dessa artista, que foi prestigiar Carol e você também ainda dando continuidade a essa divulgação aqui no seu blog é para nos alegrar bastante!
ResponderExcluirObrigada por mais essa leitura que sempre nos acrescenta tanto!!
Sim, titia, concordo, a exposição é linda, mas nos causa um sentimento revoltante. Há várias obras que demonstram a censura que ela sofreu: livros dela que não puderam ser lançados em Portugal, papéis sobre ela mesma que ela não pôde interpretar. Tentaram pegar a sua obra e diminuir a escritora, o que é absurdo. Assim como aconteceu com Machado de Assis por exemplo, até hoje tentam embranquecer o escritor que era negro, simplesmente não conseguem aceitar a inteligência e genialidade dele por ser uma pessoa não branca. Então fiquei contente com a representação do IMS, principalmente por ter uma curadoria composta apenas por pessoas negras, acho que isso é importante para retratar tudo com verdade e sensibilidade.
ExcluirEu que agradeço por sempre ler e compartilhar seus pensamentos comigo nos chás culturais, titia! 💗