Devaneio sobre as estações do ano - Com viés literário

"Pessoalmente, gosto do céu cor de chocolate. Chocolate-escuro, bem escuro. As pessoas dizem que condiz comigo. Mas procuro gostar de todas as cores que vejo - o espectro inteiro. Um bilhão de sabores, mais ou menos, nenhum deles exatamente igual, e um céu para chupar devagarzinho." - A menina que roubava livros (Markus Susak)

Olá, querido leitor! <3

    Seja muito bem-vinde, eu sou a Caroline Moreiras, tenho dezesseis anos e aqui neste blog falo sobre cultura, então pode pegar sua xícara, sentar-se confortavelmente e se preparar para tomar um chá cultural comigo! Você já reparou que na literatura as metáforas sobre estações do ano sempre estão presentes? Gostamos de utilizar das nuances da natureza para falar sobre nossos sentimentos ou entender o como elas impactam as nossas vidas. Então, no dia de hoje quero simplesmente fazer um devaneio sobre as estações do ano e farei indicações literárias enquanto falo sobre isso. Logo, pode considerar o post de hoje como uma poesia reflexiva, espero que gostem! 


Imagem do Pinterest

    Como dito na semana passada (se você não leu meu post mais corajoso clique aqui), essa prática iniciou-se no romantismo. Essa escola literária tinha como objetivo criar uma cultura para burguesia e, no Brasil, criou uma literatura nacional, pois trouxe com a coroa portuguesa o público leitor. Em contraste com o arcadismo, em que a natureza representava a tranquilidade e era um reflexo de um modo de vida simples onde se valorizava a razão acima da emoção o romantismo vem para fazer estrondo. A intensidade e o sentimento são os pilares dessa escola; nela, a natureza aparece em uma relação hierárquica com os personagens, sendo submissa ao que ele sente: se ele está contente o dia é ensolarado, os rouxinóis cantam e não há sinal de nuvens no céu, por exemplo. 

    Inverno:

    A natureza do romantismo é chamada de cor-local, pois a cor sofre nuances e nessa escola literária elas irão se manifestar através do local. Iniciando-se no inverno, o livro "A menina que roubava livros" provoca no leitor uma paixão pela aquarela solar. Como ele é narrado pela morte, temos uma visão diferente dela e conhecemos seu modo de enxergar o mundo. Ela não se encaixa em nenhum dos esteriótipos que conhecemos dela, não é má ou monstruosa, é apenas uma trabalhadora das cores. 

    Sua forma de descrever a aquarela do céu está diretamente ligada a essa cor-local. Através da psicologia das cores, podemos perceber o sentimento que permeou cada uma das mortes da história. Quando ela foi ocasionada por um acidente, o céu está preto, no momento mais escuro antes do alvorecer. Se ela foi rápida e apática, o céu é, como em um contrate, ofuscante, branco feito neve. 

      Além disso, a história se passa durante a Segunda Guerra Mundial, no período de três anos. E, curiosamente, parece que o inverno não passa em nenhum momento, pelas descrições, é como se o mundo sempre estivesse coberto de neve, frio cortante, agonizante e os personagens com casacos como forma de se esconder. Na maior parte das histórias, essa estação é retratada dessa maneira, não há espaço para a felicidade, causa dor e tristeza. 

    Entretanto, o livro "Mulherzinhas", de Louisa May Alcott em 1865 nos apresenta uma outra forma de enxergá-lo. Dividido em duas partes, o enredo é sobre quatro irmãs sonhadoras do século XIX, que tinham suas expectativas negadas pelo fato de serem mulheres, mas tentavam persistir mesmo assim. Incrivelmente, as duas partes se passam no inverno, na primeira para mostrar ao leitor como era a relação delas (extremamente positiva), o frio fica apenas na parte de fora, pois seus corações estão aquecidos. 

    Logo, há amor suficiente para enxergar beleza na estação, aproveitando o melhor que ela tem para oferecer: bonecos de neve, patinação no gelo e guerra com bolas de neve. Nessa visão mais feliz, as características do inverno não são ignoradas, mas são vistas de outra forma. Já na segunda parte, temos a interpretação mais clássica, para coincidir com as coisas que começaram a dar errado. 

    Pessoalmente, eu gosto mais da primeira versão, que nunca tinha visto aparecer na literatura, adorei! Mas ela me gerou uma reflexão: pensando em um sentido metafórico apenas, seria o inverno mal compreendido, assim como a morte? Será que o sentimento que ele quer passar é completamente outro, mas ninguém enxerga devido aos esteriótipos?

    Primavera: 

    Aaaahh, o que seria do mundo sem a primavera? A estação que nos traz a cura, como se com as flores desabrochando nossa alma desabrochasse também. As cores, o Sol e música composta pelo canto dos passarinhos fazem os dias brilharem e é exatamente dessa maneira que a literatura costuma retratá-la. Se relacionarmos duas escolas em que a natureza aparece de maneira diferente; no romantismo a emoção que a primavera passa seria a mesma que a do arcadismo: tranquilidade, paz, deixando o que não faz bem para traz, abrindo espaço para coisas boas. 

    "O Jardim Secreto" é o exemplo perfeito dessa representação, nesse clássico inglês da literatura infantil (caso você não tenha lido a minha análise desse livro clique aqui) que conta a história de Mary, Collin, o primo rabugento dela consegue mudar sua forma de ver o mundo com a chegada da primavera. Quando Mary Lennox (a protagonista) o diz que flores estavam brotando por toda a parte, ele não precisa de muitas descrições para sentir um ar diferente, a singeleza das pétalas delicadas, se encantando até com o lusco-fusco adentrando a janela (sendo que ele odiava a luz do Sol)

    E esse é o poder que a primavera tem, encantar, curar e melhorar nossos dias; essa é a minha estação favorita. Entretanto, ela também pode não ter um efeito imediato e extraordinário, pode acontecer lentamente. Recentemente li uma HQ nacional incrível; "Boa Sorte" da Helena Cunha. Dividida em três partes (inverno, primavera e verão) conhecemos uma história sobre luto e descoberta da sexualidade na adolescência. Sensível, artístico e dolorido, o livro retrata a primavera como fase transitória, ela percebe que tudo vai melhorar e começa a ficar bem, mas não fica no seu auge ainda.

    Verão:

  Simplesmente a estrelinha do ano, pensando em perspectiva nacional principalmente; temos Natal, Ano-Novo com sete ondinhas na praia, Carnaval e férias! Não tem como não se alegrar :) Por isso, acaba sendo uma estação com um turbilhão de emoções: Os romances de verão são quase clássicos da literatura ocidental e presentes há diversas gerações, além disso, temos muitas histórias sobre amizades e redescobertas do personagem.

     Verão é o dono dos finais felizes e em retratar, a maioria das histórias contemporâneas de forma leve, logo metaforicamente ele representa um fim onde tudo se resolve, de forma doce e amorosa. E claro, que nada é mais doce e amoroso do que "Amor & Gelato".

    Após a morte de sua mãe, Lina vai para um intercâmbio na Itália que ela não queria. Lá é apresentada para uma aventura familiar da qual ela gostaria de ficar o mais longe possível, entretanto o calor até a noite e os diferentes sabores de sorvete aos quais ela poderia se deliciar a fazem querer ficar e se apaixonar pela beleza do local. 

    Fora do Brasil, essa estação realmente tem um impacto psicológico nas pessoas. Diversos europeus e estadunidenses sofrem de depressão sazonal, que se inicia no final do outono e se prolonga por todo o inverno. Portanto, é de se esperar que aguardem ainda mais o Verão, como se a cura viesse com ele e a primavera fosse responsável por mantê-lo. Dando, então, um fim ao sofrimento e trazendo de volta a felicidade. Entretanto, tenho a reflexão: e se os fins passassem a ser com o outono?

    Outono:

    As folhas das árvores caem enquanto sua alma se despedaça para ficar na sua frente, pronta para que possa te entender e vice-versa. Essa é a visão clássica da estação apresentada pela maior parte dos livros, a transição que vem antes do inverno gelado e agonizante. 

    Porém, "Boa Sorte", a mesma HQ supracitada me apresentou uma outra visão. O outono como conforto; sempre pensei nele dessa maneira, é de fato uma estação confortável, o clima, a energia, tudo, mas nunca tinha visto isso ser representado na escrita. No enredo, a protagonista Julieta tem medo de recomeçar e deixar tudo para traz: seguir em frente e ir se esquecendo de sua irmã aos poucos, o medo de perder o amor familiar por se descobrir lésbica nos anos 90 e viver o primeiro amor que está batendo na sua porta, de seus amigos a deixarem para traz por estarem fora do país...

    Todos esses pensamentos permeiam as 360 páginas da adolescente que, como dito anteriormente, são divididas em três partes: inverno, primavera e verão. Porém, o livro quebra o clichê com a apresentação do epílogo, que se apresenta no outono. Nele, seu final de feliz não está batendo na porta (como na última parte do verão e em 99% das histórias), mas sim, já está sendo vivido de maneira real e confortável. 

    O que, para mim, faz muito sentido. O outono passa a ser a representação de uma vida estável e tranquila, com livros, amigos verdadeiros, torta de maçã e chá (cultural haha). Simplesmente incrível e desejável. 


Então, para revolucionar, finalizo o post de hoje com o Outono e desejo isso para a vida de vocês: conforto, onde estejam bem e consigam encontrar beleza em todas as estações. E ainda, faço a pergunta para você, meu querido leitor: Qual é sua estação favorita do ano? Por que? 

Obrigada por ter lido até aqui e te espero na próxima quarta-feira <3


Por,

Carol Moreiras

    


Lista dos livros citados: 

- A Menina que Roubava Livros (Markus Susak)

- Mulherzinhas (Louisa May Alcott) 

- O Jardim Secreto (Frances Hodson Burnett) 

- Boa sorte (Helena Cunha)  

- Amor & Gelato (Jenna Evans Welch)


    

Comentários

  1. Que escolha de imagem incrível, já imaginei você pintando um quadro! Sobre as estações do ano, acredito que elas acompanham um pouco o nosso humor e isso não é só influência da literatura. O inverno deixa as pessoas mais sérias, reservadas, talvez como uma forma de se protegerem do frio. O outono nos traz certa serenidade, calmaria... a primavera nos remete a transformações, nos deixando mais receptivos, abertos a novas possibilidades. E o verão caracteriza festa! Ficamos eufóricos, querendo passear, compartilhar momentos com pessoas que nos fazem bem, viver cada segundo dessa estação.

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  2. Arcadismo, romantismo, embora bem longe essas escolas literárias trouxeram a memória meus anos de ginásio/colégio. Como sempre seu olhar atento e sensível conversa sobre as estações com poesia.
    No meu caso é a idade que tem escolhido minha estação favorita: sim é aquela que me deixa, fisicamente, confortável.

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  3. Amei esse devaneio das estações e adorei esse trecho Carol "O outono passa a ser a representação de uma vida estável e tranquila, com livros, amigos verdadeiros, torta de maçã e chá (cultural haha)."
    Para mim as estações do ano mais confortáveis fisicamente e psicologicamente são outono e primavera porque geralmente me sinto num estado de espírito mais equilibrado, sendo inverno e verão dois extremos até nas minhas próprias emoções, quando mais nova costumava apreciar e ter até mais disposição no inverno, porém atualmente esses sentimentos se inverteram e passei a apreciar mais o verão. De qualquer forma consigo extrair momentos adoráveis em todas as estações com emoções brandas e intensas!!

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