Não Recomendado - Análise Musical
"Qualquer artista que comunique a liberdade, inclusive sexual, está prestando um enorme serviço para a sociedade, alertando as pessoas que a evolução está aí, acontecendo agora e sempre. Precisamos todos evoluir, jamais retroceder”. - Daniel Chaudon, em entrevista para a revista Heloisa Tolipan
Olá, querido leitor! <3
Seja muito bem-vinde, sou a Caroline Moreiras, tenho dezesseis anos e aqui neste blog falo sobre cultura, então pode pegar sua xícara, sentar-se confortavelmente e se preparar para tomar um chá cultural comigo! No post de hoje, vamos conversar sobre um trio musical que eu descobri na aula de história. O professor nos pediu uma análise reflexiva sobre alguma das músicas que ele passou semanalmente ao longo do trimestre, então achei que seria uma ótima ideia poder compartilhar meus pensamentos com você. Logo, hoje recomendo a música "Não Recomendados", então pegue sua xícara e clique aqui para ouvir a canção antes do resto da leitura e poder refletir junto comigo nesse chá cultural!
O trio é composto por Caio Prado, Daniel Chaudon e Diego Moraes têm como sua música mais famosa “Não Recomendado”, que deu nome ao grupo e foi escrita por Caio Prado. Essa canção alcançou um público extenso e foi interpretada por cantores como Johnny Hooker, Linkier e Maria Gadú, além de ter tido um show com participação de Ney Matogrosso. A temática dela é a LGBTfobia, o que é perceptível pela letra e por elementos visuais presentes em seu clipe e em suas apresentações. A canção é de 2015, contexto em que segundo uma pesquisa do Grupo Gay Bahia, uma pessoa foi morta a cada 26 horas vítima de crime de homofobia no Brasil.
Além disso, também é um período no qual, mesmo que com frequência baixa, diversas marcas começam a fazer comerciais com mais representatividade. O que gerou como consequência mais uma prova de que, apesar dos direitos conquistados, a homofobia ainda era (e é) algo extremamente presente na sociedade, pois todas elas tiveram reações negativas e até tentativas de boicotes das empresas emissoras. Logo, a música fala sobre esses dois assuntos, especialmente o primeiro, ao longo de sua letra.
Então aqui vai a minha explicação e interpretação da música dividida nessas duas partes:
Explicação:
A introdução nos conta um acontecimento recorrente no cotidiano: uma manchete de jornal que foi para diversos meios de comunicação, fazendo referência aos crimes cometidos contra as pessoas queer. Entretanto, esse primeiro momento enfatiza diversas vezes a frase “uma foto”, o que, indiretamente, deixa evidente desde o início que a canção é feita na visão de uma pessoa da comunidade LGBTQIA+.
Depois disso, o refrão aparece explicitando essa visão em primeira pessoa no qual o eu-lírico mostra exatamente o que foi supracitado na introdução: ele poderia até aparecer, mas seria censurado, pois não é recomendado na sociedade.
Em seguida, temos um diálogo que explica, de uma visão homofóbica, como alguém que não performa as expectativas de gênero e orientação sexual deve ser visto. Após isso, novamente temos o refrão que abre espaço para retomar o diálogo anterior. Dessa vez, como uma súplica da sociedade por uma mudança dos comportamentos indesejados. Por fim, temos o fechamento com a repetição do refrão.
Interpretação:
A música é narrada na visão de uma pessoa LGBTQIA+ que após ler uma notícia que relata a morte de alguém da comunidade inicia uma espécie de devaneio sobre seu processo de descobrimento e sobre o que ela representa na sociedade. Essa pessoalidade é apresentada nos primeiros versos: “Uma foto, uma foto/ Estampada numa grande avenida/ Uma foto, uma foto/ Publicada no jornal pela manhã/ Uma foto, uma foto/ Na denúncia de perigo na televisão”. A enfatização de “uma foto” representa que para o eu-lírico, não era preciso ler a notícia, só uma foto já expressava o que havia acontecido, já que ver alguém como ele morrendo é algo recorrente nas suas vivências.
“A denúncia de perigo na televisão” faz referência explícita, dentro do contexto da estrofe, ao medo que ele sente de ser o próximo a morrer, pois a televisão denuncia que é perigoso ser alguém como ele nas ruas, se expressar livremente pode causar a morte. Além disso, dentro do contexto musical, essa frase está ligada também ao como a comunidade queer é vista como uma ameaça aos bons costumes da família tradicional brasileira e pode fazer referência ao contexto histórico do início das propagandas com representatividade mais frequente. Para a sociedade, LGBTs na televisão são um perigo; o que dialoga com a terceira estrofe que diz que eles são uma má influência e é preciso tomar cuidado, e também com o refrão.
O refrão mostra a regra imposta à comunidade: se esconder. Explicitando que ela não é recomendada para a sociedade, logo não pode aparecer muito, pois será censurada. E ainda, diz que “a placa de censura” está estampada no rosto do eu lírico, insinuando que sua orientação sexual não pode fugir de seus pensamentos e ações (que já não são recomendadas) e se expandir para a sua expressão física e visual, pois essa censura foi pregada, como uma placa, no seu próprio o rosto.
Ademais, o refrão também possui a frase “A tarja de conforto no meu corpo diz: Não recomendado à sociedade”. Segundo o dicionário Priberam, tarja pode ser definida como uma inscrição e também como um traço preto nas margens do papel de luto. Portanto, esse verso tem dois possíveis significados; o primeiro é que uma pessoa queer que se entende e se sente confortável com quem é, colocando na sua personalidade a inscrição “diferente”, é altamente não recomendada. O segundo significado é uma alusão a manchete apresentada na introdução: a morte de alguém LGBTQIA+ é confortável para a sociedade, o que representa que sua própria existência não é recomendada.
Nas estrofes seguintes que se diferem do refrão temos a lembrança de diálogos que refletem o processo de descobrimento do eu lírico. Em: “Pervertido, mal amado, menino malvado, muito cuidado!/Má influência, péssima aparência, menino indecente, viado!” temos uma simulação de uma criação, com um diálogo que parece acontecer entre alguém mais velho e uma criança (o eu lírico no passado) que aprende, por uma visão homofóbica como alguém que não performa as expectativas de gênero e orientação sexual deve ser visto. Isso fica evidente através da verbalização dos apelidos utilizados para ofender as pessoas LGBTQIA+ e da frase “muito cuidado!”.
Por fim, após a repetição do refrão, ocorre a retomada do diálogo. Dessa vez, parece que a criança, maior, já tem consciência de que sua sexualidade não é a esperada, pois o verso é como uma súplica desse alguém mais velho (ou da sociedade em si) por uma mudança. Os pedidos são: “Não olhe nos seus olhos/Não creia no seu coração/Não beba do seu copo/Não tenha compaixão/Diga não à aberração”, fazendo referência de maneira direta e até irônica, a absurda manipulação que tentam fazer com pessoas da comunidade, pois na realidade, pedem, indiretamente para que elas não acreditem no que elas mesmas sentem, pois esse sentimento é, não recomendado.
Portanto, tudo deixa evidente que o trio faz uma crítica ao como a sociedade trata a comunidade LGBTQIA+ e pede, através de palavras carregadas de dor e sentimento por mudança.
É isso, querido leitor, agora eu quero saber de você, já tinha ouvido esse trio alguma vez? Quais são suas opiniões e interpretações sobre a música? Ela te lembrou algum filme ou outra canção parecida? Vamos conversar nos comentários!
Obrigada por ter lido até aqui e te espero na próxima quarta feira.
Por,
Carol Moreiras
Que coisa sofrida e angustiante! Um sofrimento pessoal, que eu não gostaria de sentir na pele. Apesar de preconceitos sofremos, ao longo da nossa vida, por qualquer coisa. Por ser feia, por ser bonita demais( muitas invejas), ser inteligente demais, por ser gorda, por calada demais, por ser comunicativa demais, e por aí vai...😥
ResponderExcluirDói muito e é perturbador ler essa segunda interpretação "a morte de alguém LGBTQIA+ é confortável para a sociedade, o que representa que sua própria existência não é recomendada", porque infelizmente sabemos que é a realidade para a uma grande maioria.
ResponderExcluirSua interpretação e explicação para mim foi essencial após eu escutar a música, para um melhor entendimento de alguns trechos da letra que não havia compreendido tão bem antes da leitura.
Eu ainda não tinha ouvido o trio até o momento, me lembra uma música de que gosto muito True Colors lançada em 1986 considerada um dos maiores hinos LGBTQIA+ da história, e eternizado na voz da cantora Cindy Lauper onde a letra fala de aceitação das pessoas da forma que realmente são.
Parabéns pelo post Carol, por tentar trazer mais um pouco de conscientização e sua contribuição de alguma forma para uma mudança da visão de uma sociedade preconceituosa e criminosa para com a comunidade LGBTQIA+ que apenas quer ser respeitada e amar assim como todos os gêneros tem esse direito.
Eu segui sua sugestão, e ouvi a música
ResponderExcluirvárias vezes. Ameiii sua explicação
e interpretação da música......
Pervertido, mal amado, menino
malvado, má influência..
Só esse refrão já dá para ver a
maldade da sociedade.
Assisti esses dias o filme
Orações para Bobbi, lançado
2009.. Fiquei emocionada ,
de ver que muitos , passam por
isso na vida, com a família..
Vendo a luta de um rapaz, para ser
aceito na família. Família essa que
era, muito ligada a religião..
Claro acreditava, que seu filho era
um pecador, era sujo, era louco, era
doente, e precisava de tratamento.
Com essa não aceitação, da família,
o deixava muito deprimido.
Ao ponto de levá-lo ao suicídio..
Penso eu que se você é... azul, amarelo,
preto, lilás, verde, rosa, marrom, não
importa..O seu gosto seu desejo o seu eu.
Embora com críticas ou desaprovação,
que a sociedade, um dia consiga crescer
e aceitar as diferenças. Que é o mais
lindooo e puro das nossas vidas.
O mundo seria muito sem graça, se
todos, fossemos iguais. 🌺🌸🌺
Obrigadaaa..💖💖 Com suas
palavras e sensibilidade, está
sempre nós ensinando algo..
Obrigadaaa por você existir..
🌺💖🌺
O clipe é um reclamo, um protesto, um apelo para que "seja (mos) humano". Não conhecia o trio e sua música que tem uma letra bastante forte (posso dizer que é
ResponderExcluiruma poesia ?).
Muitas das nossas crenças e verdades diferem das de outras pessoas e devemos respeitar a divergência. Mas não consigo entender pessoas que tentam calar outro ser humano por ter orientação sexual contrária a sua. Infelizmente por sermos um país extremamente violento, os jornais e a televisão noticiam diariamente a covardia desse grupo da sociedade. Parece que estamos voltando a Idade Média.
Embora a abordagem seja outra, o post me lembrou uma música de Cazuza (Cobaias de Deus); era a época da Aids e como esse grupo de pessoas (LGBTs) foi relacionado por fanáticos religiosos (religiosos ?) como pecadores e que o vírus era um castigo de Deus.
Quanto mais for discutido, abordado o assunto, tanto melhor, estaremos jogando luz e quem sabe os pré -conceitos mudem.
Parabéns
Acabei de ser apresentada ao trio Não Recomendados por você! Como tem gente produzindo coisas boas que nos levam a profundas reflexões... a música traz um retrato da sociedade que não aceita o outro, que julga sem conhecer, sem se aproximar. Simplesmente há pessoas que se acham superiores, que se colocam em caixinhas e quem está fora do que é tido como padrão não se recomenda, se esconde, inferindo tarjas para não olhar... é como se não olhar, deixasse de existir e quando se percebe que existe há julgamentos, violência, exclui-se da sociedade tirando a vida dessas pessoas. Na última semana, entrei em contato com a casa de acolhimento João Nery que abriga homens trans e situação de rua. E fui super bem recebida pela gerente da casa Deborah La Rocca que topou o meu convite para dar uma formação para os educadores da escola aonde eu trabalho. Nessa formação, entendemos como funciona a casa e tivemos a informação de que atualmente, temos mais de 30 mil pessoas em situação de rua e avançar na acolhida dessa população é uma meta da Secretaria da Assistência. Porém, para além disso, é preciso compreender suas vulnerabilidades e perceber que ser e estar neste mundo vai para além da nossa genital. Fica o ensinamento de que só precisamos nos aproximar para tentar entender o outro que é sempre necessariamente diferente de mim e de você e ela trouxe uma frase que tem marcado seus pensamentos: "Que o afeto nos afete"!
ResponderExcluirFalando de música, há uma que gosto muito interpretada por Johnny Hoker com participação especial da Liniker, "Flutua". A canção traz a angústia de um casal homossexual em não ser aceito pela família, pela religião, pela sociedade. Mas ao mesmo tempo acredita que o amor possa vencer, flutuar afirmando que ninguém pode nos dizer como amar. Sempre me emociono quando escuto essa música, segue o link do clipe oficial para conferir: https://www.youtube.com/watch?v=mYQd7HsvVtI