As Vantagens de ser Invisível - Releitura

"Nós aceitamos o amor que achamos merecer" - As Vantagens de Ser Invisível 

Olá, querido leitor! <3

    Seja muito bem-vinde, eu sou a Caroline Moreiras, tenho dezesseis anos e aqui neste blog falo sobre cultura, então pode pegar sua xícara, sentar-se confortavelmente e se preparar para tomar um chá cultural comigo! Na conversa de hoje gostaria de compartilhar minhas opiniões sobre uma experiência de releitura que tive nas férias com uma história que me tocou bastante: "As Vantagens de Ser Invisível", do autor Stephan Chbosky. 

    Como já comentei com voces, 2017 foi o ano das minhas leituras mais memoráveis. Tudo começou quando no primeiro dia de férias da minha titia desse mesmo ano, eu insisti que ela me levasse em uma biblioteca pela primeira vez (que apesar de ser pequena, continua sendo minha favorita pela memória afetiva, ela é aconchegante e tem um aspecto de lar, como se suas estantes tivessem aroma de cinnamon rolls e chocolate quente) lá, tive contato com o queridíssimo John Green que me cativou completamente e foi a porta de entrada para outros autores que escreviam sobre assuntos mais delicados, como Jennifer Niven, a autora de "Por Lugares Incríveis" (se você ainda não leu minha análise clique aqui), RJ Palacio e, depois de alguns meses, cheguei em "As Vantagens de Ser Invisível". 

    Logo, isso foi importantíssimo para mim porque me fez descobrir mais sobre o mundo e as pessoas. Esses dias, estava ouvindo o podcast da @livresenhas, chamado "Poesia Ansiosa" (escute esse episódio clicando aqui) ouvi que a leitura por si só é um ato político e de empatia, já que através dela, você pode viver milhares de vidas e experiências que você nunca conseguiria sentir na pele, se colocando no lugar dos personagens, sentindo o que eles sentem de maneira real e profunda e conseguindo ver isso no seu cotidiano também, com mais atenção e delicadeza. Então, foi exatamente isso que aconteceu comigo em 2017, devo grande parte da minha personalidade e a minha forma de enxergar o mundo a esses autores e ao Charlie, o protagonista dessa história. 


Esse é o Charlie na adaptação cinematográfica, interpretado por Logan Lerman

    Nessa narrativa epistolar (com as cartas enviadas à um remetente secreto) conhecemos Charlie, um menino apaixonado por palavras e por literatura, que diz que seu livro favorito é sempre o último que leu (e nas cartas ele fala sobre eles, inclusive eu só li "O Apanhador no Campo de Centeio" porque foi citado nessa obra) e define que um livro é bom quando ele te faz sentir alguma coisa e você fica diferente depois que lê, mesmo que seja um só um pouquinho. Esse livro me fez sentir muito e me mudou nas duas vezes em que li. Charlie se sente invisível, sentia que a única pessoa que o enxergava de verdade era sua tia Helen, a qual ele se culpa pela morte que ocorreu quando ele tinha cerca de quatro anos. Então, ele vê as pessoas e presta atenção nelas, talvez como um desejo inconsciente de que elas não sintam o mesmo que ele sente, pois para ele é tudo denso, arrastado. Deste modo, em uma tentativa de amar todo mundo em sua maneira mais íntegra, ele recebe o conselho de seu professor para ser um filtro, não uma esponja. 

    Charlie não consegue ser um filtro, ele absorve os sentimentos de todos como se fossem dele, estendendo isso até para o seu amor à literatura. Ele conta em suas cartas que às vezes, quando está lendo um livro, sente que é as pessoas dentro dele. Eu me identifico com ele nesses pontos, mas estou tentando melhorar. Durante e depois que acabei essa releitura, toda a melancolia e densidade da vida dele fazia parte de mim, por cerca de uma semana, eu me preocupava com tudo, pensava que estava vendo demais: nas coisas, nas vidas das pessoas, no mundo; eu sentia que as pessoas eram muito e não conseguiam enxergar isso e eu queria conseguir fazer com que elas vissem o que eu estava vendo. 

    E eu acho que o mais mágico dessa história é justamente esse sentimento arrebatador, que vai tomar totalmente sua consciência por dias e nunca irá embora completamente, mas ficará de maneira mais suave. Falando assim, parece que é algo ruim, mas eu diria que o segredo é o equilíbrio, porque a dose em si é necessária. Não sei, mas acho que esse livro adiciona mais sensibilidade à vida e, consequentemente, mais cuidado das pessoas com as outras, ele nos faz ver mais e apesar disso ser dolorido, acredito que é um dos pilares para uma boa convivência em sociedade e para amar alguém de verdade.  

    Além disso, é incrível como todo mundo vai se identificar com alguém em algum momento dessa história. Todos os personagens são esféricos (já falei diversas vezes que eu amo livro assim, mas é pertinente repetir, eu amo livro assim) e complexos, o que faz com que eles sejam bem humanos e reais, abertos para identificações. Todos eles têm defeitos e ao mesmo tempo muitas qualidades, inclusive o Charlie, que por toda sua inocência, consegue machucar as pessoas sem nem perceber. No enredo, ele se aproxima do Patrick e da Sam, que o acolhem no seu grupo de amigos e estão no ultimo ano da escola. 


Sim, também temos Erza Miller e Emma Watson no filme


    Os dois mudam completamente a vida do protagonista e o proporcionam sentimentos como o primeiro amor e a primeira amizade, além de fazer com que ele se sinta infinito. Meu favorito entre eles é o Patrick, um menino abertamente gay nos anos 90. Ele se envolve com Brad, um dos garotos mais populares da escola com atitudes questionáveis, que pede uma relação em segredo, pois não estava preparado para se aceitar e ainda, lidar com a rejeição que iria acontecer. Patrick é divertido, leva vida ao grupo com leveza e alegria, aprendeu a ter coragem de ser quem é e ele ama, com uma intensidade absurda, ao ponto de abrir mão de sua liberdade e se submeter a diversas situações péssimas por Brad. Logo, outro ponto ótimo desse livro é a representatividade LGBTQIA+, que foi abordada de maneira cuidadosa e delicada e fugindo só da esfera do personagem em si. A história traz em diversas cenas a adaptação em teatro do filme "The Rocky Horror Picture Show", considerado um ícone para a comunidade (se quiser entender o motivo, veja esse video aqui)  o que é importante, pois demonstra que sendo o Patrick gay, isso faria parte da sua vida como um todo, não só das suas relações amorosas, pois é algo que compõe sua identidade. 

    Também temos a Sam que se transforma em ao mesmo tempo melhor amiga e primeiro amor de Charlie, um amor não concretizado, mas vivido de maneira intensa. Ela nos mostra que as pessoas podem mudar, que elas podem ser completamente confiantes em alguns aspectos e ao mesmo tempo frágeis em diversos outros. Ela ensina ao Charlie o que não é amar com a frase: "Você não pode simplesmente colocar a vida das pessoas à frente da sua e achar que isso é amor". Isso é extremamente importante porque parece que é o que o protagonista precisava ouvir durante todo o livro, mas não consegue entender. Ao mesmo tempo, Sam não consegue seguir seu próprio conselho, pois se submete à relações com caras totalmente babacas pela necessidade de se sentir validada e "amada". Isso é muito dolorido de ler, pois o leitor, assim como o Charlie consegue ver claramente toda a grandiosidade presente nela, que ela não acredita ter. Por outro lado, ela erra em vários pontos do livro, brincando várias vezes com os sentimentos do Charlie. Então, o mais legal da história é que você ama e odeia todos os personagens ao mesmo tempo, você tem raiva deles, mas consegue entendê-los. 

   Outro ponto que eu fiquei completamente apaixonada é o fato dessa obra ser sinestésica. Os sentimentos do Charlie são lidos não só pelas palavras que ele escreve nas suas cartas, mas pelas músicas que escuta o tempo todo, ele se expressa através das fitas que grava para os seus amigos. Além disso, vemos muito dele nos livros que ele lê e no que ele enxerga neles. Também nas estações do ano, na cor local de sua maior recaída ocorrer no inverno. Achei isso incrível, de verdade, e acho que nesse ponto o filme se destaca mais do que o livro porque consegue proporcionar exatamente essa experiência através do figurino, trilha sonora e o próprio jogo de câmera em si. 

A cena do túnel deixa isso completamente aparente (tanto no livro quanto no filme), é a primeira vez que Charlie se sente infinito, com a trilha sonora de David Bowie, é uma experiência totalmente sensorial

    Especificamente sobre a escrita, é possível afirmar que ela é ótima porque é simples, sendo essa uma decisão do próprio protagonista no romance metalinguístico, pois ele diz que apesar de estar descobrindo diversas palavras bonitas, sente que como está escrevendo cartas, o vocabulário nao cabe ser rebuscado. Então, a escrita é fluida, também pelo tipo da narrativa (epistolar), da primeira vez que eu li demorei 3 dias e na releitura 1 dia e meio. E óbvio, é linda, eu diria que o Stephan é um grande frasista porque eu queria grifar basicamente o livro inteiro, ele têm fragmentos tão precisos e fortes, uma habilidade de tecer lindamente as palavras com uma agulha afiada, que deixa resquícios, encantando e ardendo simultaneamente.

    Portanto, ao longo da história vamos conhecendo a mente e a vida de todos esses personagens e outros também, mas eu precisaria de uma dissertação de mestrado para explorar todos aqui. Entretanto, não é só isso, esse livro pode ser considerado uma espécie de suspense ao passo que passamos todas as páginas nos questionando sobre o que aconteceu com o Charlie, tentando entender porquê para ele tudo é tão denso, o que o fez enxergar as coisas dessa forma, ser tão ambíguo (ele começa o livro dizendo que é feliz e triste ao mesmo tempo e ainda está tentando entender o que isso significa) e profundo. A resposta só nos é dada de maneira concreta no final e é dita de uma forma subjetiva, tanto que eu não entendi da primeira vez que eu li  (eu tinha doze anos) e sei que isso é uma experiência que vários leitores compartilham, por isso releituras são tão importantes, revisitando a história pude perceber os sinais do que ocorreu e entender completamente quando foi dito de maneira implícita. 

    Por fim, é importante destacar que eu recomendo fortemente essa leitura, mas que ela possui infinitos gatilhos e discute muitos outros temas delicados que eu não citei aqui, então é importante checar todos antes e escolher o momento ideal para ler, okay? Não recomendo que você leia se estiver com a saúde mental fragilizada no momento, mesmo nossas leituras, precisam ser feitas de maneira cuidadosa. 

    É isso, querido leitor, espero que em algum momento vocês dêem uma chance para esse livro porque ele é lindo e ainda, rapidinho de ler. E gostaria de perguntar a vocês: vocês ja se sentiram infinitos? (podemos discutir o que isso significa nos comentários) Também, se você já teve algum contato com essa história seja através do livro ou do filme, deixe aqui nos comentários sua opinião! 

    Obrigada por ter lido até aqui, se cuida e até a próxima! 

Com amor, 

Carol Moreiras

Essa foto tem a primeira fita que o Charlie gravou, recomendo ouvir depois ou durante a leitura. 

Nota: Esse site é ótimo para pesquisar os gatilhos dos livros, é só colocar na barra de pesquisa o nome original "The Perks of being a Wallflower" que ele te dará uma lista com os principais - https://booktriggerwarnings.com/Welcome


Comentários

  1. Carol esse primeiro dia das minhas férias em 2017 também foi bem especial para mim poder te proporcionado essa memória afetiva do seu primeiro contato com uma biblioteca fora da escola, algo que você sempre sentiu prazer!!
    Lembro bem que no trajeto que fizemos caminhando mesmo até a biblioteca, você foi me contando toda a história de um dos livros que você já havia lido e como o final era muito forte, disse a você que não ia nunca querer ler o tal livro rsrs, mas uns quatro anos depois quando pra variar te pedi pra me arranjar um livro pra me distrair, você me indicou esse mesmo livro e ainda fez uma breve resenha dele tentando me enganar para que eu não desconfiasse que se tratava do mesmo e aceitasse ler, que para minha surpresa me acabei de chorar e só percebi no final da leitura que era a mesma história que você me contou inteirinha kkkk (você foi muito danadinha).
    Já o livro desse post também li por recomendação sua e realmente apesar de ter um dos gatilhos bem perturbador que constatei de imediato, apesar de ser dita de forma subjetiva como você comentou que não conseguiu compreender isso da primeira vez que leu devido sua pouca idade, ainda assim a história consegue ser incrível e também me transmitiu muita sensibilidade e reflexões sobre a vida e nossas atitudes para com algumas pessoas e vice-versa em determinados momentos!
    E sim já me senti infinita em várias ocasiões, para mim se sentir assim significa um sentimento positivo e prazeroso que transcende me deixando em estado de graça por um curto ou longo período de tempo.
    Obrigada por fazer me sentir mais uma vez infinita e especial em ter sido citada por você nesse post :)

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  2. A frase "nós aceitamos o amor que achamos merecer" é assustadora e ao mesmo tempo triste e já indica que o livro (não li, ainda) aborda temas profundos.
    Memórias afetivas, visitas a locais onde nunca estaremos; como ler/reler nos possibilita um turbilhão de sentimentos, experiências.
    Como é instigante ver, observar, acompanhar os efeitos que os livros tem causado nas várias fases da sua curta mas vibrante vida.
    Sim, já me senti infinito muitas vezes, principalmente através das leituras (mas uma viagem também pode nos causar essa mistura de sensações).
    Os 13:28 min que assisti do Jonas Maria e os 23:58 min que ouvi da Liv, embora não ligados diretamente ao livro abrilhantaram sua postagem.
    Vai Carol.

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  3. Olá, Carol. Cheguei até seu blog através da sua mãe (coruja). Primeiramente, gostaria de dizer que você escreve muitíssimo bem, referencia e "linka" um monte de coisas... sensacional. Escrevi nesse artigo pois assisti ao filme (que considero um excelente filme) que tem, uma ótima narrativa e um desfecho que , apesar da temática não ser algo inverossímil ela não é tão usual dentro de obras artísticas, e provoca uma série de reflexões e discussões.
    Bom, adoro a trilha do filme, tem The Smiths (apesar que hoje o Morrisey é um cara bem desprezível) mas recomendaria você a pesquisar sobre o Nick Drake, pois você vai pirar.
    Beijão e parabéns...

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