Circe - Madeline Miller

 


“Eu não serei como um pássaro criado em uma gaiola, pensei, entorpecido demais para voar mesmo quando a porta está aberta.” - Página 96



Olá, querido leitor! <3


Seja muito bem-vinde, eu sou a Caroline Moreiras, tenho dezessete anos e aqui neste blog falo sobre cultura, então pode pegar sua xícara, sentar-se confortavelmente e se preparar para tomar um chá cultural comigo! Se você acompanha minha conta literária @carolepalavras no instagram, você sabe que eu tinha começado a ler “Perto do Coração Selvagem”, de Clarice Lispector, porém todos os meus planos foram abandonados quando em uma noite aleatória enquanto passeava pelo kindle unlimited descobri que “Circe” e “A Canção de Aquiles”, escritos por Madeline Miller estavam disponíveis na plataforma. Decidi começar por “Circe” e minhas opiniões sobre a história são diversas. 

Acredito que "Circe" esteja na minha lista de livros que quero ler desde 2020, já que foi apenas um entre os vários que viralizaram no booktok. A história é um reconto da mitologia grega, contando a vida de Circe, a bruxa de Eana, conhecida por transformar homens em porcos. Sua aparição mais famosa ocorre na “Odisséia” de Homero, na qual Odisseu e seus marinheiros desembarcam na ilha durante a longa viagem de volta para casa. Nela, após transformar seus homens em porcos, a bruxa implora por misericórdia para Odisseu, pois ele começou a atacá-la com uma espada. 



A história de Madeline Miller se tornou famosa por ser uma versão feminista do conto grego, desenvolvendo Circe em todas suas facetas e aprofundando nossa visão em suas qualidades e falhas. Em certos pontos, o livro me lembrou um pouco do último filme da “Cruella”, mesmo que mostre o que motiva a protagonista a se tornar uma suposta vilã, não há uma construção idealizada dela. 

Circe começa a transformar homens em porcos por uma questão de vingança e segurança: vivendo por séculos em exílio em uma ilha isolada (Eana), os marinheiros encontravam em seu lar um refúgio, um local para se alimentar e descansar depois das longas viagens e batalhas, mas quando descobriam que ela morava sozinha, sem pai, marido ou filhos, deixavam toda a gratidão de lado e até mesmo esqueciam que estavam na casa de uma deusa. Eles apenas viam uma mulher, sozinha, frágil aos seus olhos, e adoravam essa visão. Circe foi estuprada pelo capitão enquanto o resto da tripulação assistia e ansiava pela sua vez. Assim, percebeu que sua magia poderia ser um instrumento de defesa e que seria algo necessário, já que em inúmeras outras tripulações que a visitaram, ela via o sorriso em seus olhares quando dizia que morava sozinha, o como eles se levantavam e caminhavam em sua direção quando ouviam a resposta. 

Logo, Circe foi vítima de abuso sexual, mas eu gostei da maneira que a autora desenvolveu isso pois mantendo toda a sensibilidade para tratar o assunto, ela não anulou todos os outros acontecimentos da vida da protagonista, não fez ela se tornar apenas uma vítima, como acontece várias vezes na literatura. Ela continuou vivendo, com desejos, vontades e inclusive sexualidade, o que é muito demonizado para mulheres, principalmente as que sofreram com algo desse tipo, como se fosse errado elas continuarem sentindo. Para mim, Madeline Miller desenvolveu o tópico de maneira extremamente positiva, a personagem sente raiva, ódio, busca por uma espécie de proteção e vingança, mas isso não a faz perder sua essência então se marca como uma parte importantíssima de sua história, não a única. 


Quadro “Circe oferecendo a taça para Ulisses” (1892) de John William Waterhouse


Outro ponto que eu acredito ter ido de acordo com o feminismo foi o desenvolvimento da personagem como bruxa em meio a sua solitude. Até hoje, a bruxaria é vista como um tabu e algo ruim, principalmente, por devido a história, ser encarada como uma prática essencialmente feminina. No livro, mesmo na Grécia Antiga, entre deuses e titãs, todo poder que não vinha do próprio corpo, independente de qual criatura, assustava e era condenado. 

Em seu exílio que duraria a eternidade, Circe percebe que é independente e se desvencilha das figuras idealizadas dos homens da sua vida que, na realidade, nunca demonstraram para ela amor de verdade. Ela aprende como fazer feitiços, demora décadas para se aperfeiçoar e se diverte com isso. Mas sua magia não é apenas ruim, ela é completa, para acompanhar seus diferentes desejos e sentimentos: há magia para cura, proteção, sono, dor, transmutação, entre muitas outras. Assim, adorei a forma que a feitiçaria foi tratada, já que demonstra que foi o fato da protagonista começar a se sentir confortável em sua solitude e explorar o próprio poder que proporcionou tudo que ela descobriu e viveu ao longo de todo o livro. Também gostei do fato da palavra “bruxa” ter aparecido inúmeras vezes durante a história, a própria Circe se intitula dessa maneira, com orgulho e força.


“Uma bruxa - eu disse. - Com poder irrestrito. Que não precisa responder a ninguém exceto a si mesma” - Página 201


Circe, então, é uma personagem complexa, composta por dores, amores e ilusões que não a tornam boa ou ruim, apenas fazem dela completa e de certa forma, a mais humana dos deuses. Entretanto, o que me incomodou muito na história foi essa falta de profundidade nos outros deuses do livro. A protagonista tem problemas com a família, vive desde pequena buscando a aprovação de seu pai, Hélio, deus do Sol, que nunca parece conseguir. Ela enxerga nele alguém para se espelhar e se decepciona quando cresce e percebe que ele não nutre amor por ela, apenas desprezo e maldade. Além disso, sofre bullying de seus irmãos e de sua mãe desde sempre. Assim, entendemos muitas das dores de Circe como frutos de um abuso parental, porém não há um desenvolvimento no livro sobre o que torna os outros personagens da história assim, que me incomoda profundamente. 

Em um certo ponto, parece que todos os deuses são ruins sem motivo algum e a única personagem que tem uma justificativa plausível para isso é a Circe. Sua irmã Pasífae é gananciosa, maldosa e maluca por atenção, parece que nasceu assim e será assim pela eternidade. Seu irmão mais próximo, no fundo, sempre a achou tola e decidiu abandoná-la, já que não amava ninguém. Sua mãe sempre a odiou e só queria mais filhos para que pudesse ter mais poder. Seu pai a subestimava e queimaria a pele de qualquer um que o interrogava. Enquanto a Circe, coitada, sempre foi boa ajudando os injustiçados e começa a se tornar amargurada devido aos seus constantes sofrimentos. Gosto de livros que desenvolvem a imperfeição dos olimpianos, titãs e deuses menores, como eles são solitários, tristes e ironicamente, humanos. Só que nesse caso o que aconteceu foi praticamente um maniqueísmo em todos eles que beira ao ridículo, desenvolver suas imperfeições não é torná-las a única parte de seu ser, mas foi isso que aconteceu. 


“Mas talvez nenhum pai consiga ver seus filhos de verdade. Quando olhamos, enxergamos apenas o espelho de nossas próprias falhas.” - Página 360


Além disso, por ser um reconto feminista, seria de se esperar que houvesse um peso de personagens femininas profundas e complexas na história, entretanto, mais uma vez, Circe é a única mulher com um desenvolvimento. Em um momento da narrativa, diversas ninfas se mudam para a ilha de Eana e moram com a bruxa. Elas passam séculos com ela, se não milênios e nas 470 páginas do livro não há literalmente uma conversa com elas que não envolva “os marinheiros chegaram!”. 


Ilustração no pinterest sobre a ilha de Eana, não sei o artista, mas se alguém souber por favor me diga.


Por outro lado, a maioria dos personagens masculinos da história recebe no mínimo 50 páginas de destaque com um desenvolvimento sobre todas as suas facetas, dores, qualidades, cicatrizes e características que os tornam inesquecíveis. Sinceramente, até Aquiles que nem aparece no livro e só é citado nas conversas de Circe com Odisseu tem mais desenvolvimento do que qualquer uma das mulheres da história. Mais uma vez, ridículo, o enredo consegue tornar o feminismo mais sobre os homens do que sobre as mulheres em si, como se todas as suas descobertas, conquistas, dores e amores estivessem centradas mais neles do que em virtudes femininas. A única personagem que recebe um pouco mais de ênfase além de Circe é Penélope, que só aparece mais pro fim da história, como a esposa enigmática e inteligente de Odisseu. 

Sendo assim, foram por esses motivos que decidi dar 3,5 estrelas (de 5) para o livro. Considero essa uma nota boa, mas não é nada espetacular porque as falhas citadas me incomodaram bastante, além de que achei a história lenta demais até para mim, que adoro livros que quase não tem história e são só personagens complexos, com frases bonitas. Sinceramente, achei surpreendente o como a autora conseguiu transformar a história de Circe em algo lento porque de verdade tinha inúmeros acontecimentos e diversas reviravoltas o tempo inteiro, mas foi lento e custava a passar. Por outro lado, sem contar o aspecto da narrativa do enredo, a escrita é lindíssima, a maneira que Madeline Miller escreve é simples e bela ao mesmo tempo, parece que ela tece as palavras como feitiçaria. 


“Mas, em uma vida solitária, há raros momentos em que outra alma mergulha perto da sua, como estrelas roçando a terra uma vez por ano. Ele foi para mim uma dessas constelações.”- Página 177



Então, mesmo não tendo sido uma leitura incrível, recomendo o livro, principalmente para quem gosta de mitologia grega, pois a complexidade de Circe vale a pena de ser lida com uma perspectiva diferente.

E você, querido leitor, já leu algo sobre mitologia grega? Me conte aqui nos comentários.

Obrigada por ter lido até aqui e até o próximo post <3


Por,

Carol Moreiras


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